Este artigo foi originalmente publicado em parceria com Regina Coeli C Perrotta e Suely S.P. Quinzani, no evento Congresso Brasileiro de Turismo Rural em 2015, podendo ser obtido na íntegra nos sistemas de buscas virtuais sob o título de “Processo de regionalização gastronômica: uma análise do universo dos vinhos“. O material é ainda complementado com a entrevista com Rafael Ferro, gastrônomo, com especialização em vinhos, sendo responsável atualmente pela coordenação de um curso na área.
De acordo com o crítico e expert americano Robert Parker a “qualidade dos vinhos do Novo Mundo se tornaram tão bons quanto os europeus com a vantagem, de modo geral, de serem mais baratos”, fato reforçado pela IBRAVIN (2012) ao destacar que o crescimento da qualidade dos vinhos nacionais é notório e reconhecido por críticos nacionais e internacionais como Jancis Robinson, Steve Spurrier, Adam Strum, Charles Metcalfe, entre outros. Os vinhos brasileiros estão presentes em mais de três mil pontos de venda pelo mundo, posicionados nas melhores lojas e restaurantes de diversos países e já ganharam mais de 2.500 medalhas em concursos internacionais nos últimos anos (IBRAVIN, 2012).
De acordo com dados mais recentes no cenário internacional a vitivinicultura do Brasil ocupou em 2007 o 17° lugar em área cultivada com uvas e 19ª posição em produção de uvas (FAO apud RIBEIRO, 2010). Já com relação às exportações do setor em 2010, os dados demonstram que as mesmas somaram o valor de 148,33 milhões de dólares, superior em 11,95% ao ano de 2009, porém inferior a 2008. Os espumantes aumentaram 68,42% na produção e 284,73% no valor das exportações, sinalizando valorização da qualidade do produto (RIBEIRO, 2010), tornando o Brasil o quinto maior produtor do hemisfério sul, segundo Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN, 2012), sendo que a média de consumo atual é de dois litros de vinho per capta, sendo que projeções destacam que até 2022 poderá chegar até nove 9 litros per capta.
Contudo, esse aumento do consumo do vinho não está relacionado unicamente aos produtos nacionais, mas sim aos vinhos importados da América do Sul, principalmente Chile e Argentina, que entre 2002 e 2003 tomaram conta dos supermercados brasileiros, adotando a estratégia de exportação de grandes volumes para o Brasil com preços mais baixos. Esse impacto foi marcante para a indústria nacional que passou a fazer vinhos de melhor qualidade, substituindo os de garrafão por vinhos finos (IBRAVIN, 2012).
O brasileiro, por questões culturais e climáticas e, devido seu consumo se espalhar de forma desigual em nosso imenso território, não é um grande consumidor de vinho. Sua maior particularidade é a regionalização, já que apenas os estados da região Sul e Sudeste consomem 86% de vinhos do total produzido no país, liderados pelo Estado de São Paulo, que com 40 milhões de habitantes consome sozinho 335 litros do total nacional e pelo Rio de Janeiro, Estado de maior consumo per capita (4,8 litros por habitante) e que consome 215 litros do total nacional. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que totalizam mais de 80 milhões de habitantes, possuem um consumo per capita de menos de 0,6 litros por ano, sendo esse um dos maiores potenciais de crescimento da nossa viticultura em longo prazo (IBRAVIN, 2012).
Vislumbrando este potencial, o agronegócio do vinho obteve em 2012 a denominação de origem brasileira: D.O. Vale dos Vinhedos. Ao serem reconhecidas, internacionalmente, os produtos com indicação geográfica resultam num aumento da qualidade, agregam valor aos mesmos e aumentam a competitividade do agronegócio no mercado nacional e internacional. Assim, diante do crescimento exposto, este trabalho teve a intenção de analisar a evolução da vitivinicultura brasileira até o surgimento dos vinhos de quarta geração (TONIETTO, 2002) com a introdução das Denominações de Origem e uma nova geração de um agronegócio.
Diante da complexidade e extensão do tema Denominação de Origem, nos próximos meses trataremos deste assunto de forma mais aprofundada, sendo o atual apenas o “start” da discussão. Porém, como exposto anteriormente, para enriquecer este artigo, uma entrevista com Rafael Ferro foi realizada, sendo as perguntas expostas abaixo. Como a entrevista foi realizada por e-mail, o Rafael optou por responder as perguntas de uma forma global.
Mestre e Doutorando em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM), pós-graduado (lato senso) em Viticultura e Enologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e graduado em Tecnologia em Gastronomia pelo Centro Universitário Senac – Campus Campos do Jordão. Atualmente é professor no Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia da Universidade do Vale do Paraíba e Coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia da Faculdade Anhanguera de Taubaté. Atua em eventos, workshops, consultorias e assessorias, treinamentos e formação profissional nos seguintes temas: bebidas, cozinha e gestão de alimentos e bebidas.
1) Como você classificaria o consumo de vinhos no Brasil atualmente?
2) Podemos perceber que, nos últimos anos, o brasileiro tem apreciado mais os vinhos. Como você explicaria essa evolução?
3) Como você definiria o paladar do brasileiro para o vinho?
4) Quais são as uvas/vinhos mais apreciados pelo brasileiro?
5) Como você avaliaria o mercado para os próximos cinco anos?
6) Há alguma tendência que seria importante o público conhecer?
“Eu encaro o mercado brasileiro, pelo ponto de visto do consumidor, em estágio inicial. Apesar de grandes esforços realizados ultimamente pelo setor vitivinícola em parceria com os institutos que dão suporte às ações de imprensa e eventos, como a “Vinhos do Brasil”, filiado ao Instituto Brasileiro de Vinhos (IBRAVIN), ainda há muitos aspectos de consumo que podem mudar priorizando os vinhos de qualidade (finos).
Alguns dados estatísticos disponibilizados pelo IBRAVIN (até o ano de 2014) demonstram que a preferência do consumidor brasileiro para vinhos de mesa chega a ser quase três vezes maior em detrimento dos vinhos finos. Estes dados mostram claramente o desconhecimento do produto em relação a qualidade sensorial e o custo-benefício que vinhos finos possuem sobre o vinho de mesa.
Apesar da grande parte do consumo de vinhos se concentrar no tipo Mesa, o Fino está ganhando destaque considerável nos últimos anos, em minha visão. O que temos que fazer é continuar a estruturar uma cultura do vinho no Brasil e treinar o paladar do consumidor para aceitação de vinhos secos.
Entre os destaques das uvas finas prediletas dos brasileiros temos a Cabernet Sauvignon, a Merlot e a Tannat representando as uvas tintas. Enquanto as uvas brancas são produzidas em grande escala a Chardonnay, Moscato (para produção de vinhos moscatéis) e a Riesling. Os vinhos Espumantes são os mais apreciados pelos brasileiros (talvez seja consequência dos climas espalhados pelo Brasil ou por ser uma bebida mais “leve” e palatável – principalmente o moscatel). Em uma década, entre 2004 e 2014, o consumo de vinhos espumantes triplicou! Em segundo lugar registra-se os vinhos tintos finos e por último os brancos finos.
Pelo ponto de vista do mercado, há somente louros a destacar. Para os próximos anos se espera novas Indicações Geográficas (IG) e Denominações de Origem (DO), que já estão em processo de tramitação. Testes com novas cepas de uvas para verificar adaptabilidade, muitas estão dando excelentes resultados em terroir brasileiros, como a Ancellotta e Vermentino (cepas italianas são destaque), Seleção 46 e 47, são só alguns exemplos. Desenvolvimento de técnicas e tecnologias na produção das uvas e do vinho. Há interesse de grandes investimentos de capital externo em algumas regiões do Brasil. São apenas alguns destaques interessantes. Percebe-se que os enólogos, agrônomos e empresários deste segmento estão enxergando um mercado mais maduro futuramente e já estão se preparando.
Vinhos brasileiros são reconhecidos mundialmente em eventos de degustação, com destaque para os vinhos espumantes! O Brasil é um produtor de espumantes por excelência! Acredito que o mercado irá focar neste segmento”.
Fonte: Sabor a vida