Você já deve ter ouvido falar do vinho natural, a tendência mais recente que vem ganhando espaço no mundo dos vinhos, uma garrafa de pet nat (pétillant naturel, ou espumante natural) por vez. Mas, apesar de sua fama, o vinho natural não é um fenômeno novo. Pelo contrário, é o vinho do passado, antes da invenção dos aditivos e herbicidas químicos usados na vinicultura convencional moderna.
Nos últimos 50 anos o vinho passou a ser tão industrializado e tão quimicamente modificado que mal se assemelha ao que era no passado. Não se parece em nada com o cenário romântico e artesanal que muitos ainda imaginamos.
Não existe definição regulamentada do que seja o vinho natural, mas o termo deixa entender um vinho feito de uvas orgânicas e com um mínimo de intervenções. Ou, como disse Michael Volker, produtor de vinhos naturais na Alemanha: “Nada acrescentado, nada tirado”.
Isso significa abrir mão dos agrotóximos na viticultura e dos aditivos na vinicultura. É um passo além dos vinhos orgânicos e biodinâmicos, que ainda podem conter alguns aditivos. E as implicações afetam não apenas a terra, mas também nosso corpo.
Os vinhos naturais são produzidos sem substâncias químicas
A maior parte do vinho convencional é feito com variedades comerciais de fermento, mas o vinho natural passa por “fermentação espontânea”, mais ou menos como é o caso da kombucha, do kimchi e do pão de massa lêveda, e possui efeitos probióticos semelhantes a esses produtos.
Uma garrafa de vinho natural contém grande quantidade de fermentos naturais e bactérias que beneficiam o intestino, além de polifenóis – um grupo de antioxidantes que comprovadamente melhoram a flora intestinal benéfica, favorecendo a saúde e longevidade de quem o consome.
Basicamente, as uvas produzem polifenóis como parte de seu próprio sistema imunológico, para proteger a fruta contra fungos, geadas e assim por diante. Quando consumimos uvas ou vinho, esses antioxidantes exercem efeito semelhante sobre nosso próprio corpo.
Quando as uvas são tratadas com pesticidas químicos, elas são “protegidas” contra pragas e condições de cultivo difíceis. Elas não precisam mais produzir polifenóis para se proteger, de modo que um vinho feito de uvas cultivadas pelos métodos convencionais contêm muito menos antioxidantes.
Mas os maiores benefícios do vinho natural à saúde vêm daquilo que não está presente no vinho.
O vinho natural é produzido sem sprays químicos ou modificações, ambos os quais estão vinculados a efeitos adversos à saúde, como dores de cabeça, ressacas e até mesmo ao linfoma não Hodgkin.
Trinta por cento dos americanos compram carne e hortifrútis orgânicos, mas poucos têm a mesma preocupação com relação ao vinho.
“Se você se preocupa com a origem da carne que você consome e pensa em como o gado é criado, por que não teria a mesma preocupação com relação ao vinho?”, perguntou Joel Wright, importador de vinho natural no País de Gales.
Agrotóxicos como glifosato são pulverizados sobre vinhedos tão frequentemente quanto são usados em outras áreas de agricultura convencional. E estudos indicam que essas substâncias químicas estão chegando também ao vinho.
Desde 2015, quando a Organização Mundial de Saúde qualificou o glifosato como carcinogênico para os humanos, outros estudos já identificaram efeitos nocivos do herbicida sobre animais, mesmo em doses baixíssimas. Esses estudos ilustram a gravidade da preocupação com o efeito do glifosato sobre a saúde humana, contestando a validade dos níveis hoje considerados seguros de exposição ao glifosato.
Um vinho natural é feito de uvas cultivadas por processos orgânicos ou biodinâmicos, de modo que é pouco provável que contenha traços de glifosato. Foi constatado que alguns vinhos orgânicos da Califórnia continham traços de glifosato, mas isso provavelmente se devia à proximidade dos vinhedos onde as uvas eram cultivadas com vinhedos convencionais (infelizmente, o glifosato pulverizado se dispersa no ar, como a fumaça de cigarro).
O vinho natural contém menos aditivos
Uma garrafa de vinho convencional pode conter dezenas de aditivos aprovados pela FDA (a Food and Drug Administration, órgão americano responsável por regulamentar alimentos e medicamentos). São coisas como dióxido sulfúrico, açúcar acrescentado, colorantes e antiespumantes, e os vinicultores não são obrigados a incluir esses produtos todos nos rótulos de seus produtos.
A ausência de aditivos no vinho natural pode ser a razão por que as pessoas que tomam vinho natural dizem sofrer menos dores de cabeça e ressaca. Ainda não há dados científicos conclusivos a esse respeito, mas alguns estudos apontam para os sulfitos, tópicos de discussão acirrada.
É possível que os sulfitos inibam a produção de bactérias positivas da flora intestinal, e essa pode ser uma razão por que vinho pode nos provocar ressaca. Os sulfitos também podem abaixar nossos níveis de glutationa, que ajudam a digestão do álcool pelo fígado.
As leis de rotulamento da União Europeia requerem que os vinicultores incluam a menção “contém sulfitos” nos rótulos dos vinhos que contiverem mais de dez miligramas de sulfito por litro, e a OMS recomenda que a ingestão não passe de 70 mg por quilo de peso corporal. Ou seja, um homem de tamanho médio só pode tomar menos de um terço de garrafa de vinho branco convencional por dia se não quiser correr o risco de sofrer efeitos indesejados, como ressacas.
Além disso, mais ou menos 1% dos americanos são alérgicos a sulfitos, com efeitos que incluem asma, sensação de inchaço abdominal e irritações de pele e gastrointestinais. Às vezes as alergias podem ser fatais.
Outros aditivos, como açúcares acrescentados, fermentos químicos, ácido tartárico e um colorante chamado Mega Purple podem ter efeitos menos negativos, mas são capazes de modificar fortemente o sabor do vinho e de ocultar seu terroir natural.
As mesmas propriedades que tornam um vinho natural mais nutritivo também podem deixá-lo mais delicioso.
Ou no mínimo mais dinâmico. Fermentos naturais, bactérias e polifenóis, todos possuem compostos aromáticos e perfis de sabor que influem sobre o sabor do vinho.
A filtração estéril e o acréscimo de enxofre são usados para matar os fermentos e organismos remanescentes para “estabilizar” um vinho convencional, um processo que o torna mais estável e consistente. Mas o vinho natural é muito vivo (já que contém todas essas bactérias e esses fermentos naturais) e está em evolução constante, na garrafa e no cálice.
“O vinho natural é um vinho vivo”, disse Joy Kull, produtora de vinho natural em Lazio, na Itália. “Para mim, os vinhos convencionais são muito unidimensionais. Têm sabor totalmente morto.”
O vinho natural pode ter toda uma gama de perfis de sabor interessantes e pouco conhecidos, desafiando nossas percepções quanto ao sabor possível de um vinho, até de uma uva determinada.
Isso pode tornar o vinho natural mais acessível a um novo público de tomadores de vinho que sempre se sentiram excluídos do clube dos apreciadores de vinho.
Kull disse ao HuffPost: “Meu objetivo é produzir vinhos de preço acessível e que sejam fáceis de tomar, para que não haja pretensão envolvida e que as pessoas não se sintam intimidadas. Eu digo literalmente isso: este vinho é feito para ser tomado, só isso. Não vou pedir que você sinta seu aroma, apenas que o tome. Você gostou? Ótimo.”
Os críticos do vinho natural o consideram amadorístico e pouco sofisticado, apontando para características “malcheirosas”, devido a um fermento natural chamado Brettanomyces. Mas, embora um certo mau cheiro esteja na moda hoje em dia, não é uma constante nos vinhos naturais.
“Não faltam vinhos naturais, livres de enxofre, que foram envelhecidos em barril por cinco anos, por exemplo, e não possuem um perfil de sabor super louco”, diz Volker. “Esses são os vinhos que eu escolheria para mostrar a um apreciador experiente de vinhos que o sabor do vinho natural pode nem ser tão diferente assim.”
Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.
Fonte: Huff post Brasil.