Durante quatro dias, o Diario de Pernambuco percorreu onze vinícolas da Serra Gaúcha a convite do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) e do Sebrae. Preparamos abaixo quatro roteiros de enoturismo para o leitor descobrir o sabor dos vinhos e espumantes do Sul do país e as histórias por trás dessa produção. O melhor: você não precisa ser especialista nas bebidas para curtir o passeio. Além disso, receber bem é característica dos habitantes da região. As consultas de preços de passeios, além de agendamentos, podem ser feitos através dos sites das vinícolas.
Roteiro um
Ele abre a garrafa cuidadosamente. Depois, serve a cada um dos convidados. Como em um ritual. O líquido ali dentro parece precioso. Trata-se de um Merlot 1991. Estava guardado em uma adega destinada somente a vinhos de safras antigas. O enólogo Dirceu Scottá é quem nos serve. Funcionário antigo, acompanhou o nascimento de cada vinho produzido na Dal Pizzol, no distrito de Faria Lemos, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. “Ver a bebida envelhecer e evoluir é como projetar um filho que ficou fantástico”, diz.
O roteiro de enoturismo na região de vinícolas gaúchas revela mais que os segredos dos sabores dos vinhos e dos espumantes. As histórias por trás de cada bebida servida aos turistas também são prazer durante a estadia na região. Principalmente para quem é leigo na degustação das bebidas. Antônio Dal Pizzol, um dos administradores da empresa onde Scottá trabalha, recebe os convidados contando uma velha história da família. “Um dia, meu pai, que era produtor de uva, juntou os seis irmãos e disse: ‘quero ver a uva dentro da garrafa’”. Parte dos irmãos aceitou o desafio e a vinícola deu certo, lembra.
No lugar, cercado de verde e silêncio, é ofertada uma degustação às cegas, repleta de apelos aos sentidos e memórias da infância. Também há um passeio pelo Ecomuseu da Cultura do Vinho, onde fica o Vinhedo do mundo, com 400 variedades de uvas oriundas de 35 países. É considerada uma das maiores coleções de uva privadas do mundo e a única da América do Sul.
O distrito de Faria Lemos integra a rota cantinas históricas, onde é possível saborear a culinária dos imigrantes italianos. Além da Dal Pizzol, uma outra vinícola deste roteiro é a Cristofoli. No lugar, os turistas fazem um passeio divertido a bordo de um trator, pisam uvas e se deliciam com o spuntino, um lanchinho à moda italiana regado basicamente a vinhos, espumantes, pães, queijos e salames. “A pisa das uvas me lembra o sofrimento e luta dos meus antepassados”, diz um dos Cristofoli, em meio ao ritual bastante procurado pelos turistas. Na cantina da família, a comida servida é farta e repleta de cheiros e sabores. O prato principal é a polenta servida quentinha com carne bovina.
Uma outra opção para quem está em Faria Lemos é esticar para Garibaldi, a Capital do espumante, e fazer um passeio de tim-tim pelo centro histórico do município. O tim-tim é um caminhão de 1942 usado pelo governo americano na Segunda Guerra. A cidade tem mais de 35 prédios preservados e auto-guiados, com suas histórias contadas em placas.
Um dos imóveis mais curiosos é a mansão Mazzini, construída em 1921 no estilo renascentista italiano e mobiliada com os mesmos móveis da época. Dizem até que há um vestido de noiva de época intacto. O local, no entanto, é fechado para visitação. Adelina Mazzini ganhou o imóvel do pai e deixou um testamento que proíbe a venda da casa por seis gerações. O ponto negativo fica para a impaciência dos motoristas diante do passeio lento do tim-tim.
Em Garibaldi também está o Hotel Casacurta, o primeiro hotel de enoturismo da região, construído nos anos 1950 para veraneio. Nele estão 31 apartamentos. As diárias custam entre R$ 490 e R$ 700. Ao lado fica a hostaria, no antigo porão do hotel, incrustado na rocha, um lugar frequentado principalmente por casais. O passeio incluindo as duas vinícolas de Farias Lemos e Garibaldi pode ser feito em um dia.
Roteiro dois
Um outro roteiro imperdível pode começar pelo município de Flores da Cunha. A primeira parada é a histórica Vinícola Salvattore, montada em um prédio de 1911 que já funcionou como moinho e depois sede da Companhia de Vinho Rio Grandense. O espaço abandonado foi comprado pelo pai de Daniel Salvador, enólogo da casa e presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), e levou dez anos para ser reformado. A melhor lembrança do lugar é o cheiro marcante de vinho e a aula sobre a bebida proferida por Daniel.
A próxima visita pode ser ao distrito de Otávio Rocha. Lá, a proposta é visitar a Casa Gazzaro e degustar o famoso menarosto, refeição que remete aos imigrantes na época que chegaram ao sul do país. É composta basicamente por codorna, frango e porco assados, claro, acompanhada de vinho e espumante. O prato demora cerca de seis horas assando. Na Gazzaro, o preparo aconteceu onde funciona uma lareira. Uma outra sugestão é um passeio rápido pelo centro de Otávio da Rocha, onde tem a Praça da Uva, onde há cerca de cem mudas de videiras.
No mesmo dia, uma bela surpresa é a Vinícola Salvati & Sirena, no chamado Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves. Quem está cansado, vai se surpreender e acordar diante do bom humor de Silvério Salvati. Ele é como um presente em meio à viagem. A visita é garantia de boas risadas acompanhadas da imprescindível degustação de queijos e vinhos. Para alguns, o problema na região é a falta de acesso à internet. Para outros, nada melhor do que simplesmente apreciar a paisagem e ouvir as histórias do lugar. A Salvati produz a Peverella, primeira uva branca trazida para o Brasil pelos italianos, mas praticamente esquecida.
Para finalizar mais um dia de viagem, a dica é partir para a Vinícola Don Giovanni, em Pinto Bandeira. O lugar tem cultivo biodinâmico e uma proposta de pôr-do-sol bem famoso na região, banhado a mais vinho e espumante. Não deixe de jantar na vinícola.
Roteiro três
O terceiro roteiro sugere descobrir os sabores do Vale dos Vinhedos, distrito de Bento Gonçalves com um total de 23 vinícolas. A paisagem do lugar é reconhecida como patrimônio do estado. A Dom Cândido, considerada uma vinícola boutique, ou seja, cujo vinho não é encontrado em grandes redes, pode ser a primeira parada. “O brasileiro não sabia que tinha vinho de qualidade no país. Ainda há preconceito com nossa produção por conta do passado. Mas por que o vinho brasileiro ganha tantos prêmios, inclusive internacionais, todo mês?”, questiona Marcos Valduga. Investimento em tecnologia, diz ele, têm feito a diferença. Perto dali, o restaurante Maria Valduga, da Vinícola Casa Valduga, é dica preciosa para apreciar a farta culinária da região.
O passeio pode continuar em direção à Vinícola Almaúnica, com parada antes na Queijaria Valbrenta, que tem uma produção diária de queijos dos mais variados sabores. Quem comanda a Almaúnica é Márcio Brandeli, que anuncia o desejo de ser a “Ferrari do vinho brasileiro”. Por enquanto, diz ele, é apenas uma Mercedes. No lugar, ele investe cerca de R$ 6 mil em cada barrica de madeira importada, ao contrário de outras produtoras, que cada vez mais usam o inox para o preparo da bebida. “Tirar a barrica é o mesmo que tirar o pulmão do vinho”, garante, na contramão de outros donos de vinícolas. Seus vinhos, inclusive, custam mais caro que a média encontrada na região.
A última parada do dia sugerida é o Restaurante Guri, com comidas típicas da região. O estabelecimento é comandado pelo chef Enio Valli, gaúcho que propõe resgatar, com releituras próprias, as receitas de sua região.
Roteiro quatro
Digamos que esse é o roteiro mais leve. O destino é a Vinícola Don Guerino, em Alto Feliz. O lugar é moderno, elegante e tem uma bela paisagem. Como passou por um investimento recente, permite também a realização de festas no espaço. Assim como todas as vinícolas visitadas, é administrada pela família. Osvaldo Motter e a mulher dele, Salete, comandam os negócios junto com os três filhos, Bruno, Maicon e Lucas. A sugestão é apreciar o almoço ofertado no lugar.
Bem perto dali fica o distrito de Tuiuty, em Bento Gonçalves, onde está a famosa Vinícola Salton. Ao longo da visita, descobrimos que, durante uma grande crise da empresa, surgiu a ideia da cachaça Presidente. Com a proposta de uma bebida mais em conta, as pessoas passaram a consumir o produto e, assim, a empresa se salvou da falência. Hoje, a Salton calcula mais de cem anos de tradição.
Fonte: Diário de Pernambuco