Inovador para alguns, criticado por outros, e com a comercialização suspensa no Brasil, produto tem promovido debates entre profissionais
Se tem uma bebida alcoólica bastante comum e difundida no país há várias décadas é o vinho. Há para todo gosto. Tinto, branco, rosé, frisante, espumante etc. Suave, seco, meio seco e até doce. Várias marcas, produtoras e distribuidoras de vinhos, fazem a bebida chegar aos quatro cantos do Brasil. Diversos tipos de vinho fabricados nacionalmente podem ser encontrados em estabelecimentos como restaurantes, mercados, padarias, bares, entre outros.
Há pouco mais de um ano, o mercado de bebidas fermentadas no país recebeu uma novidade: o polêmico vinho azul. Mal chegou ao Brasil para ser comercializado e o produto, em alta na Europa, já teve sua comercialização suspensa pelo Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento (Mapa) do Governo Federal. A decisão em questão foi que o vinho azul, segundo o Mapa, contém corantes artificiais denominados Azul Indigotina E-132, conhecido por Indigo Blue e Azul Brilhante E133. Nenhum vinho ou bebida à base de vinho podem conter em sua composição corantes artificiais que não estejam previstos na legislação sobre aditivos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Anna Cruz, proprietária e diretora de marketing da Caves Santa Cruz, importadora e distribuidora de vinhos e alimentos, acha que a proibição é exagerada, uma vez que não causa nenhum mal à saúde como alimento e tampouco se tenta “enganar” o consumidor vendendo-o como vinho. “Afinal, todos sabemos que não há uvas azuis”. E continua. “Sabemos que a proibição não se deu especificamente em relação aos vinhos azuis. Essa medida se deu porque, em meados dos anos 1990, alguns empresários comercializavam vinhos baratos originalmente brancos e os tingiam com corantes para vendê-los mais caro como vinhos tintos. Houve uma denúncia que acabou se desdobrando em uma lei que proíbe a comercialização de bebidas à base de vinho com adição de corantes. A marca espanhola Gik Live, assim como a marca, também espanhola, Mar Profundo, se enquadram nessa lei. De qualquer forma, ambos não são vinhos, são bebidas à base de vinho, que usam corantes naturais e alimentícios, muito menos do que um chiclete, por exemplo”, diz.
A experiência da Caves Santa Cruz em importar esse tipo de bebida no Brasil não foi boa. O Ministério da Agricultura proíbe a venda dessa bebida ou de qualquer vinho com adição de corante em todo o território nacional. Ou seja, o vinho azul ou qualquer outro tipo de bebida à base de uva com adição de corantes são proibidos. “Mas como produto é muito interessante, desperta a curiosidade e tem grande apelo de venda”, garante a proprietária da importadora.
A produtora Muriviedro, de Valência, Espanha, é um grande parceiro da Caves Santa Cruz, e, sob encomenda da distribuidora, produziu o Mar Profundo. Uma bebida vínica produzida a partir da casta Viúra. A coloração característica é obtida da casca das próprias uvas Viúra, adicionando-se uma pequena quantidade de corante alimentar. O preço gira em torno de R$ 70,00. Foi uma febre no verão passado europeu e teve excelente aceitação pelo público de lá.
Anna explica que o perfil do consumidor do vinho azul é predominantemente jovem, irreverente e que não tem medo de experimentar. “Claro que pela novidade e pela aparência, o vinho azul desperta muito interesse em pessoas de diversas faixas etárias e características, desde connoisseurs (conhecedores de vinhos) até estreantes no mundo do vinho. Há quem critique, quem torça o nariz e diga que ‘não se trata de vinho’. E, de fato, não é vinho na acepção da palavra. Não é para se levar muito a sério, para competir por prêmios, para buscar pontuações.
Trata-se de uma bebida divertida, refrescante e muito bem produzida por um produtor bastante tradicional”, salienta.
Vinhos
O professor e doutor Fábio Laner Lenk, coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Viticultura e Enologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus São Roque, opina que o Mapa está cumprindo o seu papel como órgão regulador com relação a um produto não previsto na legislação brasileira. “No caso dos vinhos quanto à cor: tinto, branco ou rosado. E também pela adição de corante não permitido ao vinho”.
Fábio conta que essa ideia do vinho azul é um projeto desenvolvido por seis jovens, nenhum deles ligado à enologia, em parceria com a Universidade do País Basco. O vinho tem origem das vinícolas de Bierzo, na região de Castilla e Leon, Espanha. Elaborou-se uma mistura de vinho branco e tinto acrescidos de pigmentos antocianos azuis, naturais da casca de uvas tintas, e corante indigotina também de coloração azul.
Além da coloração azul, caracteriza-se por apresentar 11,5% de álcool e por ser levemente doce. “Custa, em média, 10 euros, e já foram vendidas cerca de 70.000 garrafas”, informa o enólogo. “No caso do consumidor de vinho tradicional, a primeira garrafa poderá ser comprada motivada pela curiosidade do produto. Mas, se as características olfativas e gustativas não se destacarem, no mesmo nível de vinhos que custam 10 euros, a segunda garrafa não será comprada”, enfatiza Fábio.
Produção
A Food Service News procurou uma das produtoras de vinho azul, a espanhola Gik Live, e pediu informações sobre o produto, bem como sobre a aceitação dele no mercado brasileiro. A marca salienta que o item não é um vinho azul, “é uma revolução”.
A Gik Live nasceu sob a perspectiva de ser um diferencial do que é tradicional no ramo de vinhos, criando um produto que seja fácil de beber e que todos possam desfrutar. A produtora do vinho disse que o item é elaborado graças a uma mistura única de ingredientes variados e ao uso de dois pigmentos totalmente orgânicos.
É um produto que, atualmente, está disponível em vários países, tanto para comprar online quanto para comprar em lojas físicas. Já está disponível em mais de 25 países em todo o mundo, como Japão, França, Alemanha, México e, muito recentemente, nos Estados Unidos.
A assessoria da Gik Live diz que a cor não é uma casualidade. “Quando iniciamos o projeto, lemos um livro chamado, em espanhol, La Estrategia del Océano Azul, em inglês The Blue Ocean Strategy, e em português A Estratégia do Oceano Azul, escrito por W. Chan Kim e Renée Mauborgne. Nele, explica-se que, atualmente, existem dois tipos de mercados: os vermelhos, saturados de uma competição muito voraz, que luta entre eles como tubarões para conseguir se alimentar de alguns peixes e de animais marinhos variados (clientes diversos, metaforicamente falando) e que cortam os oceanos (mercado avassalador e competitivo) deixando rastros de sangue vermelho; e os azuis, que são os oceanos em si ou comparados à metáfora dos mercados em que, graças à criação de novas variáveis, todos podem nadar (competir) livremente. Nós realmente gostamos da ideia de transformar um líquido tradicionalmente vermelho em azul, então não poderia ter outra cor”.
O vinho azul tem sabor muito suave e frutado e pode até ser combinado para fazer coquetéis criativos. “Por outro lado, a cor é alcançada de forma totalmente orgânica – um ponto muito importante a ser reforçado”, salienta a marca.
Sommelier
Vevé Bragança, sommelier, opina dizendo que esse grupo de jovens criadores do vinho azul buscava apenas novidade. “O vinho, de verdade, é uma bebida cuja sua melhor característica é ser o mais natural possível, proveniente de uma fruta e de um processo bioquímico (fermentação tumultuosa – transformação do açúcar das uvas em álcool etílico, através de agentes microbiológicos: as leveduras)”, destaca ele.
Fonte: food service news