Os visitantes conhecem todas as etapas da produção dos vinhos e espumantes da região
No alto de uma serra na comunidade do Riacho do Recreio, na zona rural do município de Lagoa Grande, Sertão de Pernambuco, funciona um restaurante especializado em comidas típicas da região. O local pertence à família do comerciante Edvaldo Alves dos Santos, 55 anos. Entre os principais clientes do estabelecimento estão pessoas de várias partes do país que descobriram ou estão redescobrindo esse pedaço do Brasil através do enoturismo.
Do mirante, onde há dois anos funciona o restaurante da família de Edvaldo, é possível ver a vastidão da caatinga enquanto se saboreia a carne de bode com feijão-tropeiro. Através de parcerias com agências de turismo da região, o comerciante passou a receber clientes de diversos estados que, após realizarem o passeio nas vinícolas, almoçam no estabelecimento. “O local é muito bonito e eu sempre pensei em construir alguma coisa. A região era carente na questão do turismo”, conta.
Os vinhos e espumantes produzidos em pleno sertão pernambucano são os responsáveis pelo número cada vez maior de turistas na região. São sete vinícolas espalhadas nas cidades de Santa Maria da Boa Vista e Lagoa Grande, que gosta de ostentar o título de “Terra da uva e do vinho”. Uma das vinícolas do município de cerca de 25 mil habitantes, segundo o IBGE, foi cenário da minissérie Amores Roubados, da Rede Globo, exibida em janeiro de 2014. Desde então, a empresa passou a receber pessoas interessadas em conhecer a fazenda e saber como os vinhos são feitos.
“Depois daquela minissérie da Globo essa curiosidade e o interesse do público aumentou muito. Mas, eu diria que não só pela série. Eu diria que pela qualidade de nossos produtos. Nosso cliente, que já consome há muito tempo os nossos produtos, passou a querer conhecer a fábrica, a vinícola, os parreirais. E isso tem aumentado com o interesse dos brasileiros pelos vinhos”, destaca o diretor de enoturismo da vitivinícola Santa Maria, Tobias de Melo Gonçalves.
A curiosidade e o interesse do público vêm aumentando a cada ano. Segundo Tobias, a vinícola hoje recebe, em médica, cerca de 1400 visitantes por mês. “No início, o pessoal chegava, batia na porta e dizia que queria conhecer. Não existia um seguimento de turismo na empresa. Essa demanda passou a ser maior e a empresa decidiu que isso era um braço importe e estratégico na aproximação do cliente com a marca. A experiência de conhecer a fazenda, a área de produção, aproxima muito o consumidor da nossa marca”.
Se no início as pessoas iam por conta própria para as vinícolas, com o tempo elas passaram a utilizar os serviços de empresas especializadas no ramo. Formado em administração, Sirley Sá é dono de uma agência que realiza passeios ligados ao enoturismo. Ele percebeu que esta era uma área lucrativa durante a graduação na faculdade.
“Fizemos uma pesquisa de marketing para conhecer o perfil do consumidor de vinhos das cidades de Petrolina-PE e Juazeiro-BA. Na pesquisa, identificamos, dentre outras coisas, que os consumidores de vinhos destas cidades gostavam dos vinhos, conheciam as marcas, mas quase 90% dos respondentes afirmaram não conhecer as vinícolas e disseram que tinham vontade de fazer um passeio para as vinícolas”, lembra Sirley. Hoje, ele diz atender entre 60 e 80 pessoas por mês. Em períodos com feriados, a demanda aumenta.
O turista que vai até a vinícola pode escolher entre quatro tipos de passeio. Em todos eles, é possível conhecer as plantações de uva e a fábrica onde os vinhos e espumantes são produzidos. O diferencial está na abordagem utilizada pelo guia. Segundo Tobias, a divisão surgiu para proporcionar uma experiência mais agradável para cada tipo de visitante.
“Eu tenho turista que vem aqui fazer uma self no parreiral, tirar uma foto, não conhece muito de vinhos, mas quer conhecer uma vinícola. Esse turista para a gente é muito importante, porque é o novo consumidor. E tem aquele turista que entende muito de vinhos, visitou vinícolas pelo mundo todo. Ele é um turista que tem que ter uma atenção e uma abordagem mais aprofundada, coisa que o turista novato, mesmo sendo muito importante para a gente, não demanda um aprofundamento muito grande porque torna-se até enfadonho para ele”.
Entre os quatro roteiros está o pedagógico. A ideia é fazer com que grupos de estudantes possam tirar dúvidas sobre assuntos mais técnicos. “Vimos que tinham muitos alunos que estavam ali não como turistas, mas para realizar uma pesquisa da escola, faculdade. Criamos o roteiro acadêmico, onde a gente aprofunda mais no assunto, falando sobre característica do solo, características da uva, como ph, acidez da uva. Coisas que a gente não fala para o turista porque, mesmo ele entendendo o assunto, pode achar monótono”.
Rede de turismo e crescimento do setor
O enoturismo no Sertão de Pernambuco não movimenta apenas os municípios que sediam as vinícolas. Por ser a principal cidade da região, onde está localizado o Aeroporto Internacional Senador Nilo Coelho, ter uma rede hoteleira e ficar próxima das cidades que produzem os vinhos e espumantes, Petrolina também lucra com a chegada dos visitantes.
“O Brasil todo vem nos visitar. Nós estamos em Lagoa Grande, um município que sedia nossa empresa, mas Petrolina é quem tem a estrutura para receber o turista, porque tem o aeroporto, que tem ligação e voos diários para vários lugares, tem a rede hoteleira, restaurantes. O turista quando escolhe ir para um destino, primeiro ele vê se aquele destino vai ter a estrutura que ele almeja de conforto e coisas para fazer. Então, nossa região, eu não posso dizer que é só uma cidade, é o Vale do São Francisco que atrai esse público. Por ter essa facilidade de uma aeroporto com tantas conexões, isso trouxe muita gente para conhecer essa região”, destaca Tobias.
No livro que registra os nomes dos visitantes que fazem o passeio na vinícola Santa Maria, é possível ver assinaturas de pessoas do Maranhão, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará e outros estados. Embora venha atraindo cada vez mais gente de outras partes do Brasil, Tobias conta que a visita de moradores do Vale do São Francisco ainda é tímida.
“Isso é uma reação peculiar em qualquer cidade turística. O que é que acontece em cidades com destino turísticos: as pessoas, por morarem ali, dificilmente vão querer ir nesses locais. O público em geral, da região, ele conhece até menos do que quem é de fora, até por um efeito natural. A gente é da cidade e não conhece muito o que é da cidade. Isso não quer dizer que não tenha, mas a proporção é muito menor do que quem vem de fora”, explica.
Sirley acredita que o enoturismo no Vale do São Francisco pode crescer mais. Para ele, uma das formas de crescimento é atrair os moradores de Petrolina e Juazeiro, na Bahia. Além das vinícolas no Sertão pernambucano, as agências da região também realizam passeios para a vinícola no município de Casa Nova, no norte baiano.
“Vejo que o mercado é promissor e tem muito a ser explorado. Temos algumas empresas que trabalham com enoturismo e têm muito tempo de experiência. Inclusive, fazem um excelente trabalho nesse setor, atrelando a navegação no Rio São Francisco, por exemplo. Mas, talvez, o público-alvo dessas empresas sejam os turistas. Nós atendemos a parte dos turistas também, mas buscamos focar nos moradores de Petrolina e Juazeiro, assim como empresas e escolas desses municípios”.
Seja morador da região ou de outros locais, na visão de Tobias, os visitantes buscam quase sempre a mesma coisa quando vão conhecer as vinícolas. “O que o pessoal está interessado é ter uma experiência que, para muitos deles, é a primeira vez. O que eles buscam ao conhecer uma vinícola é algo novo, algo diferente. Isso encanta. Eles chegam aqui e vão para um parreiral que eles só viram em cenário de novela ou em foto de revista. Eles querem também entender como se procede a produção do vinho em todas as etapas. Quando eles vêm a uma vinícola eles querem uma experiência completa”.
Fonte: G1