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Entre os melhores: a hora e a vez do vinho brasileiro

Entre os melhores: a hora e a vez do vinho brasileiro

O enófilo Rogerio Dardeau fala sobre o mercado de vinho no país, que cresceu com a pandemia e a alta do dólar

Se a pandemia de Covid-19 foi ruim para muitos negócios, o setor vitivinícola brasileiro tem algo a comemorar. Isso porque, com o isolamento social e uma ajudinha da alta do dólar, o brasileiro elegeu o vinho, principalmente o tinto, como a bebida da quarentena. Uma pesquisa recente realizada pela Ideal Consulting mostra que, enquanto a demanda pela bebida caiu 10,5% no mundo todo, no Brasil o caminho foi inverso.

Com a ajuda dos supermercados, que ficaram abertos, e do e-commerce, houve crescimento de 27,8% no volume de vinho vendido no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2019. O consumo per capita, que fica normalmente na casa do 1,8 litro a 2 litros por ano, subiu para 2,37 no período analisado. Ainda segundo a mesma pesquisa, houve aumento de 39% na venda de vinhos de mesa e 50% na de vinho fino.

Mas, “todavia, entretanto, porém”, é bom deixar claro que esse crescimento se deu a partir de uma base ainda muito baixa. O Brasil é um país culturalmente cervejeiro. O mercado de vinho fino é muito novo aqui, se comparado aos países mais tradicionais. Há também muito preconceito do brasileiro contra o que é produzido aqui. E há uma avalanche de vinho estrangeiros circulando, especialmente de países próximos, como o Chile. Por outro lado, qualquer avanço é digno de nota.

Para falar sobre tudo isso e mais um pouco, entrevistei o enófilo Rogerio Dardeau, autor de diversos livros sobre vinho (inclusive tem um novo dele “saindo do tonel”) e um dos maiores estudiosos do mercado vitivinícola brasileiro. Confira abaixo a entrevista que esse advogado carioca descendente de franceses concedeu à coluna por e-mail.

Paladar do brasileiro

Há 40 anos o senhor se dedica ao mercado de vinho e é um dos maiores estudiosos do vinho brasileiro. Como começou seu interesse?

Eu tinha 20 anos e ficava muito bem impressionado com a conduta de um cunhado em relação aos vinhos. Ele os apreciava com atenção, não rejeitando nenhuma experiência, inclusive com os vinhos brasileiros daquela época. Logo passei a proceder de maneira semelhante e mergulhei nos estudos teóricos e práticos (risos) sobre os vinhos brazucas.

O mercado local é dividido entre vinhos de mesa e fino. O que aconteceu ao longo da história para que, diferentemente de outros países, o estilo suave ainda cative tanto o paladar do brasileiro?

O fenômeno da apreciação dos vinhos suaves é natural entre iniciantes. Com o tempo, isso vai-se alterando e grande parte das pessoas vai gostando mais dos paladares menos doces. Isso ocorre não somente com vinhos. Mas há quem aprecie os doces por toda a vida, e não é problema algum.

De fato, no Brasil, ficamos muito divididos entre os vinhos de mesa, elaborados com uvas que não concentram muito açúcar (uvas americanas) e os finos, cujas uvas de origem europeia concentram açúcar a, pelo menos, um terço do peso (uvas viníferas europeias).

Essas últimas exigem mais cuidados, desde o cultivo à elaboração. E isso tem como consequência preços finais maiores. Mas os vinhos de mesa, coloniais, podem também ser muito expressivos. Desde que os vinhedos sejam muito bem tratados e a elaboração, cuidadosa. Aliás, cabe refletir: como não temos castas nativas, o clima na Serra Gaúcha sempre foi úmido e não tínhamos tecnologia para resolver.

Tivemos historicamente de iniciar nossa produção com as americanas e híbridas, naturalmente mais resistentes, produzindo vinhos menos secos. Uma das consequências foi preço mais em conta e acesso mais fácil à população.

Crescimento no mercado

Falando em vinho fino, temos visto um crescimento desse mercado no país, embora ainda seja bastante pequeno se comparado a outros países. Quando se deu essa mudança? Podemos dizer que o ponto de inflexão foi a abertura econômica ocorrida no Brasil no governo Collor?

A abertura dos paladares brasileiros aos vinhos nacionais vem acontecendo lentamente, sem um vínculo determinado a algum fenômeno ou determinado momento. À medida que os produtores brasileiros de vinhos finos expõem seus produtos ao grande público, os preconceitos começam a cair.

A expansão das fronteiras vitivinícolas de vinhos finos a outros estados do Sul e do Sudeste foi fundamental. Vejo também as iniciativas de feiras, como a Vinum Brasilis e a Vini Bra Expo, como grandes incentivos ao contato do produtor com o consumidor, quebrando barreiras.

Sem dúvida a abertura do início dos anos 1990 teve alguma contribuição, mas não determinou. Agora, por exemplo, durante a pandemia de covid-19, os produtores se expuseram bastante e já há mais brasileiros amantes dos vinhos nacionais.

Por que o vinho chileno, principalmente, consegue ter tanto espaço no mercado brasileiro?

Na minha avaliação, porque a instituição Wines of Chile tem um trabalho massivo de oferta de eventos e rótulos. Nós não temos, no Brasil, uma organização semelhante, que desenvolva ações de divulgação e oferta de nossos rótulos. Além do mais, os vinhos chilenos gozam de isenções (tributárias) pelos acordos do Mercosul.

Novos lugares

O Rio Grande do Sul é o nosso estado brasileiro mais vitivinícola, até por conta de sua história e cultura de imigrantes ligadas à uva e ao vinho. Mas há outras regiões despontando no Brasil e eu queria que o senhor falasse um pouco sobre elas.

Falar ‘um pouco’ sobre os novos lugares, onde vinhos finos estão despontando no Brasil, é impossível. Meu livro mais recente, Gente, Lugares e Vinhos do Brasil trata desse assunto e ficou com mais de 500 páginas!

Registro, no entanto, que estamos aprendendo muito, consolidando informações que nos permitem identificar regiões. Eu identifico, pelo menos, 34 lugares onde vinhos finos são elaborados no Brasil, distribuídos em 10 unidades da federação.

Cada lugar vai buscando identificar-se como um terroir (quem não sabe o que é terroir, leia a minha coluna em que falo sobre os sentidos do vinho). Ou seja, vai registrando a cultura de quem faz os vinhos, os solos do lugar e o clima. Com isso conhecido, podemos chamar de região, como identificamos, por exemplo, em Portugal, as regiões do Alentejo, do Dão e do Douro e muitas outras.

De que modo a pandemia impactou ou ainda impacta o mercado de vinho brasileiro? O isolamento e o dólar alto tornaram o mercado mais favorável aos vinhos produzidos aqui?

Sem dúvida, o isolamento social e a vida doméstica incentivaram o costume dos vinhos como alimento, o que é muito saudável. Se associarmos isso à alta do dólar e à exposição dos produtores brasileiros de vinhos finos, temos o ótimo resultado de crescimento nas vendas dos vinhos nacionais.

Preços

O arranjo tributário brasileiro dificulta a circulação de vinhos entre os estados. O que acontece com os preços dos vinhos brasileiros que, muitas vezes, faz com que o consumidor o considere caro e busque alternativas mais baratas, como o vinho chileno?

Esse é um tema muito delicado. As variáveis são muitas. Temos problemas de custos elevados de insumos básicos, uma logística complicadíssima e uma carga tributária desfavorável. Mas há um aspecto pouco tratado que termina por permitir comparações inadequadas entre vinhos brasileiros e importados. Trata-se dos tipos de vinhos ofertados pelo mercado internacional e pelo mercado brasileiro.

Os produtores brasileiros de vinhos finos, em sua esmagadora maioria, optam por oferecer pequenos volumes dos vinhos que chamo ‘vinhos brasileiros de terroir‘. Com isso, o outro grupo, que denomino ‘vinhos finos correntes’ é pouco oferecido.

O que é um e o que é outro? Vinho brasileiro de terroir (VBdT) é o vinho fino que tem uma elaboração muito cuidadosa, do vinhedo à cantina e, portanto, excede os parâmetros legais. As uvas são rigorosamente selecionadas em todo o processo. Equipamentos e técnicas sofisticadas são utilizados na elaboração.

O vinho fino corrente é aquele elaborado de acordo com as determinações legais, não necessitando de atenção excessiva. A maioria absoluta dos importados, que figuram em nossas lojas, é de vinhos finos correntes. Em inúmeras degustações às cegas que conduzi na vida, nossos vinhos sempre foram os escolhidos.

Outro fenômeno que ganho espaço no país é o e-commerce. Quanto esse mercado representa para o vinho brasileiro? No seu entendimento, quais as vantagens para o consumidor nesse tipo de compra?

Sem dúvida, o e-commerce, que já vinha caminhando entre nós, cresceu e permanecerá. Mas somos seres coletivos, gregários, gostamos do contato direto. Em grande parte, preferimos pegar uma garrafa e observá-la. 

Boas surpresas

O senhor já lançou vários livros sobre vinho e está com um novo prestes a ser lançado. Gostaria que o senhor falasse dessa obra e como se deu a pesquisa.

Para escrever Gente, Lugares e Vinhos do Brasil, viajei mais de 6 mil quilômetros pelo país. Visitei mais de 200 municípios e vinícolas. Entrevistei um número aproximado de 300 produtores e, evidentemente, apreciei mais de 2 mil vinhos.

As viagens me levaram do extremo sul das terras gaúchas ao Nordeste, passando pelos novíssimos produtores do Sudeste e do Planalto Central. Desde um produtor que tem adega numa mina desativada a outro que cultiva em solos litorâneos, arenosos. Ou a uma cantina num túnel secular.

Foram surpresas criativas, incríveis! Vi um crescimento veloz do enoturismo. O livro traz alguns indexadores importantes, para facilitar a localização de nomes: são 913 vinhateiros, cantineiros, enólogos e empresários do vinho fino; são 502 empresas vitivinícolas; 204 municípios onde vinhos finos são elaborados.

Na sua opinião, o que é um vinho de qualidade? Podemos dizer que o vinho fino brasileiro, hoje, tem qualidade? Ele é reconhecido como tal?

Os vinhos finos brasileiros, tanto os que denomino VBdT, quanto os vinhos finos correntes, podem disputar qualquer mercado. Tal como outros, de regiões vitivinícolas consagradas, muitos de nossos espumantes e vinhos tranquilos brancos, rosados e tintos vêm mostrando cores, aromas e sabores únicos. Em resumo, o equilíbrio que se exige de um vinho de qualidade, em qualquer parte do mundo.

Serviço

O livro Gente, Lugares e Vinhos do Brasil será lançado em oficialmente em dezembro, a R$ 120. Mas é possível reservá-lo desde já, pagando R$ 72. A Mauad Editora está oferecendo descontos para quem adquirir 20 exemplares (a unidade sai por R$ 60, ou seja, metade do preço). Mais informações nos e-mails: mauad@mauad.com.br ou rogerio@dardeau.org. Visite também o Instagram do autor: @rogeriodardeau

Adriana Cardoso é jornalista com mais de 20 anos de estrada, além de enóloga formada pelo Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia de São Paulo, campus São Roque. Fez estágio na Villa Francioni, vinícola localizada na região conhecida como Vinhos de Altitude, na Serra Catarinense, e hoje aventura-se a escrever e falar sobre vinhos, além de dar consultoria em comunicação para vinícolas e outros negócios do vinho.

Fonte: redebrasilatual

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